Factores vários concorrem para a desqualificação da assembleia municipal no concerto orgânico do município, fenómeno que, justamente por efeito dessa desqualificação, tende a ser menos percebido e reconhecido do que o cesarismo municipal, este gerado em parcela não despicienda por aquele fenómeno. Uma parte significativa desses factores decorre do regime jurídico que regula o funcionamento dos órgãos autárquicos, porém outra parte também significativa é a que é definida pelas condições políticas locais - muito marcadas pelas dinâmica e orientações dos partidos políticos, ainda que não só por elas - e, consequentemente, pelo modo como quem tem assento na assembleia municipal assume e desempenha o mandato respectivo. Alguns episódios recentes permitem ilustrar isto.
Um. Na primeira sessão da assembleia municipal deste ano foi aprovada uma comissão para apreciar o regulamento e a tabela de taxas e outras receitas do município (vide acta da assembleia municipal, de 26.02.2010, p. 43). Ora na sessão da assembleia municipal da semana passada, apesar de já terem sido propostas várias alterações a tal regulamento (e mais uma já estar anunciada) pela câmara municipal - o que significa que foi algo tão bem amanhado que pouco depois da aprovação já tem uma série de remendos -, o presidente da câmara municipal acusou o facto de tal comissão não ter sido ainda constituída. Desde a data da aprovação da comissão realizaram-se três sessões da assembleia municipal e rien. Isto revela a leveza e a ligeireza com que matérias graves são tratadas no âmbito desse órgão. E como são encaradas pelos membros do mesmo órgão as deliberações em que revelam iniciativa e o propósito de fazer mais qualquer coisinha. Se sequer dá cumprimento às deliberações próprias, como é que assembleia municipal haveria de ter densidade política maior?
Dois. O ponto derradeiro da ordem de trabalhos de qualquer sessão da assembleia municipal é consignado a intervenções do público. Na maioria das ocasiões, chegado esse ponto, há ninguém para intervir, até porque há raramente público presente a assistir aos trabalhos daquele órgão ou que assista até ao final dos mesmos. Pois sucedeu que na sessão realizada na semana passada, não obstante as várias intervenções de pessoas que estavam na assistência, tal ponto foi transformado em mais um momento de debate entre os representantes do ps e do psd, apesar do apelo do representante do cds-pp para que o regimento do órgão fosse respeitado.
Três. Segundo o titular do mandato da cdu na assembleia municipal, tendo hipótese de marcar presença na sessão desse órgão de sexta-feira última e participado nos trabalhos da mesma, alguém da cdu limitou-se a ir observar o que aconteceu, remetendo-se à condição de olheiro. Motivos? Ainda de acordo com o que foi manifestado por tal titular, “não havia votações em que fosse necessário tomar posição”, motivo de ordem política, e quem o podia substituir na circunstância “não se sentia preparado para essa função sem primeiro conhecer bem o andamento da carruagem”, motivo de ordem pessoal. Deixando de parte o motivo de ordem pessoal - que não deixa de ter dimensão política e causas e consequências no plano político -, importa notar que havia votações e que era necessário tomar posição no âmbito delas, porque as votações são mesmo assim. Isto é insofismável. O que significa que, na prática, a cdu prescindiu de marcar presença na sessão da assembleia municipal referida e de cumprir as incumbências inerentes ao mandato que lhe foi confiado, tendo-se reduzido à condição de vigilante. O que é um bocadito estranho. Se «não havia votações em que fosse necessário tomar posição» e o mandato da cdu “tem um carácter eminentemente testemunhal, de marcar presença, de mostrar que existe alternativa para a alternância” - o que é capaz de não ser muito enquanto missão política municipal - por que raio é que havia de ser necessário haver alguém a cumprir a função de testemunha? Seja como for, percebe-se, a assembleia municipal é a assembleia municipal.
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