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terça-feira, 7 de setembro de 2010

o dever ao silêncio da oposição e o direito aos erros e disparates de antes da maioria


Num dos períodos mais crispados da sessão da assembleia municipal realizada na semana passada, sugerindo a defesa das posições afirmadas pelo presidente da câmara municipal, o líder do grupo municipal do ps usou a palavra para recensear um conjunto de erros e disparates da gestão dos mandatos anteriores por conta e responsabilidade do pessoal do psd. Por causa disso e levado pelo entusiasmo, António Gameiro terminou a intervenção a berrar «tenham juízo» e «deviam estar calados». Esta sucessão de imperativos gritados foi dirigida ao grupo municipal do psd, por o líder do mesmo ter apontado um conjunto de contradições - João Moura chamou-lhe «trapalhadas» - da responsabilidade do pessoal do ps na câmara municipal. Duas observações a propósito deste episódio, sintomático.

Um. Por causa do pluralismo e dos direitos consignados às minorias - ou seja, das condições da liberdade -, em democracia é reconhecida e defendida a existência de oposição. Num órgão como a assembleia municipal, nomeadamente quando em sessão, o exercício de oposição faz-se sobretudo através do uso da palavra. Se assim é, fica sem saber-se como é que o responsável maior local do ps, clamando o dever ao silêncio de quem discorda das opções e decisões da maioria socialista na câmara municipal, garante o direito de oposição e as condições do exercício desse direito. É capaz de ser difícil - a palavra adequada é impossível -, não? Ou, por causa do que aconteceu no mandato anterior - e que foi sancionado politicamente nas eleições autárquicas do outono passado -, agora o pessoal do ps arroga-se da faculdade de revogar o alvará de palavra ao pessoal pessoal do psd e impor-lhe como sanção acessória o exílio no silêncio? A que concepção e a que prática de democracia é que isto corresponde? Às mesmas pelas quais, em tutela pretensa - na verdade, pela justificação dada, em abuso político -, o presidente da câmara municipal impediu um vereador do psd de usar a palavra numa sessão da assembleia municipal? Às mesmas pelas quais o presidente da câmara municipal decretou determinados exercícios do direito de oposição como causa das desgraças que destroem, ui, a harmonia social do município? Embora algum pessoal do ps possa julgar ou ter a veleidade de julgar que sim, isto não é cuba, cuja constituição obriga à existência de um coro político a uma só voz, afinado por uma batuta única.

Dois. Embalado na recapitulação dos erros e disparates imputáveis à gestão do pessoal do psd - o que, curioso, em tempo oportuno não impediu ou coibiu o líder local do ps de «apoiar a 1000%» a candidatura de David Catarino, o responsável principal pela maioria de tais erros e disparates, à presidência da entidade regional de turismo leiria-fátima -, António Gameiro acabou por não rebater a argumentação aduzida pelo líder do grupo municipal do psd. Recordando um conjunto de práticas e decisões que justificam juízo negativo - similares a práticas e decisões a que João Moura aludiu da responsabilidade da maioria actual no executivo municipal -, na prática o que António Gameiro fez foi afirmar e reclamar o direito do pessoal do ps na câmara municipal a fazer o mesmo que o pessoal do psd fez antes e chiu. Ou seja, António Gameiro limitou-se a acusar os desatinos da gestão do município sob a égide do pessoal do psd no passado, desatinos semelhantes aos que foram apontados pelo líder grupo municipal do psd à gestão do município agora por conta do pessoal do ps. Ora por mais que se recordem os erros e disparates do passado da responsabilidade do pessoal do psd - que não foram poucos e convém não esquecer -, tal não significa que, só por isso, as críticas dirigidas por gente do psd à acção da maioria actual do ps na câmara municipal não façam sentido ou não tenham fundamento. Mais. A recordação dos erros e disparates do passado - que, reitere-se, não foram poucos e convém não esquecer -, não ilude - antes revela - que repetir tais erros e disparates é continuar no passado, sequer é regressar a esse tempo. Pelo que ter juízo é capaz de ser também perceber isto.

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